Charli XCX costumava ser um nome a quem os fãs de música alternativa recorriam. Seu debut, True Romance, introduziu ao mundo uma garota que não tinha medo de sair da zona de conforto que as rádios mainstream ofereciam. Seu som era “maneiro”, e ela, assim como seus ouvintes, não tinha dúvidas disto. Entre canções como a sarcástica You (Ha Ha Ha) e a memorável colaboração com Brooke Candy em Cloud Aura, foi impossível não cair de amores pela superprodução das músicas da britânica. Mas ao mesmo tempo em que introduzia a si mesma como uma artista indie com tendências para o eletrônico e o pop-rock, Charli demonstrou seu lado mais comercial no hit mundial I Love It, da dupla sueca Icona Pop, e então não teve mais volta. Chamando a atenção de todos os grandes produtores da cena, a moça despontou como uma verdadeira revelação musical e aproveitou para firmar seu talento como compositora ao auxiliar a rapper australiana Iggy Azalea em Fancy, também conhecida como a música do verão de 2014.
Se I Love It fez alguns olhares se voltarem para ela, foi Fancy que mostrou-lhe um real mundo de oportunidades.
Dentre elas estava a trilha sonora do blockbuster A Culpa é das Estrelas, na qual ela colaborou com o smash hit Boom Clap, definitivamente pop e assustadoramente diferente de seus singles anteriores. Tendo seu primeiro sucesso próprio Charli percebeu que seu lado comercial agradava mais ao grande público, e aproveitando toda a credibilidade recebida escolheu trabalhar com os hitmakers favoritos da garotada, como Benny Blanco, Greg Kurstin e Stargate, mudando assim a sonoridade para seu segundo álbum, Sucker, mas continuando imutável com relação a sua atitude contraditória, ao menos do que seria de se esperar de uma nova princesinha pop da atualidade.
Sucker é um álbum bagunceiro e que poderia facilmente ser representado por um dedo do meio, e se em True Romance ela estava preocupada em ser a garota que faz um som “diferente” e “legal”, no segundo trabalho Charli diz logo um “vai se foder” na primeira canção, que é também a faixa-título, confirmando o que todos já suspeitavam: ela será nossa nova estrela do rock contemporâneo, com cabelos rebeldes e chupando pirulitos em formato de coração.
Sucker (a música) tem tanta atitude quanto era de esperar, e todo o seu rock destemido com ar de anos 1980 fará as pessoas gritarem “fuck you, sucker!” incontáveis vezes. Break the Rules é o segundo single e a segunda-faixa. Meu caso com esta é de amor e ódio: ao mesmo tempo em que não resisto aos riffs de guitarra, aos vocais crescentes e aos “na na na na na’s da produção electro-pop, não consigo engolir a letra ou arriscar cantá-la sem me sentir uma garotinha de quinze anos com tendências rebeldes, que acharia realmente “o máximo” matar aula para fazer o que quer que garotas rebeldes de quinze anos fazem. De qualquer forma, é um ótimo guilty preasure.
“I don’t wanna go to school, I just wanna break the rules.”
London Queen tem a intérprete refletindo sobre seu recente status de cantora pop global, maravilhada com a brilhante vista de seu novo lar, Hollywood, e se sentindo como uma verdadeira “rainha britânica”. Pop pegajoso em sua melhor forma. As guitarras e atitude punk retornam em Breaking Up, onde uma ácida Charli afirma que odeia os amigos e a família do garoto, e que tudo a respeito dele na verdade a enoja, então terminar nem foi uma tarefa tão árdua assim. Como Sucker, a quarta faixa nos transporta para trinta anos atrás com suas guitarras e gritos acusatórios, e é uma pena que seja justamente a mais curta de todo o disco. De qualquer forma, a canção ganhar um delicioso videoclipe retrô compensou sua duração.
“You say you love me… I say what?”
Gold Coins é uma das poucas no álbum que remetem ao primeiro disco, embora “dinheiro” seja ainda um tema predominantemente Sucker-ístico. O interessante mesmo não é Charli afirmando que está finalmente aproveitando sua fortuna, mas sim os agudíssimos sintetizadores que lembram joguinhos clássicos da Nintendo, já que riffs de guitarra e moedas de ouro estão espalhados também por outras faixas do álbum. Boom Clap é o primeiro single e a canção mais comercial em todo o Sucker, e tem como único propósito grudar na cabeça do ouvinte e não sair mais, com sua letrinha boba e chiclete e sonoridade universalmente aceitável. Ainda assim, é a música mais relevante do disco, afinal, é o primeiro hit solo da artista. Doing It é o terceiro single oficial, que recentemente ganhou uma nova versão com a Rita Ora. A música tem tanta significância lírica quanto Boom Clap, sendo destinada também a uma faixa etária maior e mais jovem, mas se destaca por não ser um soco na cara como muitos outros exemplos no disco, e apresentar um lado menos agressivo da voz da britânica. Mas ei, não vá pensando que toda aquela deliciosa imprudência desapareceu totalmente. Já Rita nem acrescenta tanto à música, a não ser por trazer um apelo mais comercial ainda.
“You are the light and I will follow, you let me lose my shadow…”
Lá pela oitava faixa tudo no Sucker começa a soar o mesmo. Em Body of My Own Charli afirma que já não sente qualquer atração física pelo amante e que consegue se satisfazer sozinha com as próprias mãos. A faixa tem até um sentimento feminista atrelado, mas os riffs de guitarra repetitivos que já ouvimos em sete outras músicas antes, além das declarações auto afirmativas de sempre e o já cansativo ódio direcionado a garotos tornam Body of My Own entediante. Próxima.
“Lights out, so high, all alone, I got a body of my own.”
Chegamos então a Famous, que é uma Break the Rules mais comedida. Charlie não aguenta mais ficar em casa numa sexta à noite e tem a brilhante ideia de sair com as amigas para penetrar festas alheias, como se fossem “famosas”. Hum, ok, já ouvimos esta antes. Seria surpresa se eu dissesse que, em Hanging Around, décima música, Charli também está entediada com a vida em geral e decide dar uma escapada noite adentro com todos os amigos no banco de trás? Ér… So Over You finalmente traz uma mudança de ares após duas faixas sobre adolescentes descontentes, e de quebra ainda nos entrega um lado mais pessoal da performer, que viu algumas coisas que supostamente não deveria no telefone do peguete e agora pondera sobre seus sentimentos, e questiona o rapaz sobre os dele. De longe a minha favorita no álbum, tanto por passar longe dos mesmos temas de sempre quanto pelo refrão incrivelmente pegajoso. É talvez uma das coisas mais próximas que teremos de uma balada da Charli XCX.
“Saw you at the party with everybody, you look so lonely when you’re on your own.”
Em Die Tonight Charli nos dá sua própria versão pop-rock do termo latino “carpe diem”, numa chamada para aproveitar ao máximo a vida e o tempo com seus amigos enquanto ainda pode. Se o Sucker fosse o PRISM da Katy Perry, Die Tonight seria This Moment. Deliciosa e divertida, mas também descartável. Caught in the Middle é outra em que Charli chega bem próxima do termo “balada”, mas ainda mantém um pé atrás. Ela canta sobre ser “a outra garota”, e também sobre não conseguir se desviar deste vergonhoso status por já ter sido atingida pelo amor. Outra das boas surpresas da reta final do álbum.
“Wish we could be true, always wanting you, we gotta stay a mystery.”
Need Ur Luv é sobre depender de um sentimento mesmo que este cause sofrimento e o coloque em uma posição vulnerável perante outra pessoa. Sonoramente é só outra canção divertida e descompromissada da Charli XCX, que terá você mexendo os ombros ritmicamente para frente e para trás enquanto a escuta usar os registros mais baixos e brincalhões da sua voz. Parece que o pop-rock pesado e as roupas de couro ficaram para a primeira parte do álbum mesmo. Red Balloom é uma faixa bônus utilizada no filme de animação Home, cujos awool’s, nenhuma atitude punk extrema e saudosa semelhança com You, do primeiro álbum, fará fãs e também não fãs caírem de amores pela canção.
“All the things you did to me, I forgive them quietly, but I will never forget, still I end up in your bed…”
Desde Fancy e Boom Clap Charli tem sido alvo de críticas por ter se “vendido” a uma sonoridade mais mainstream, e mesmo que ela nunca vá ser a tradicional cantora pop que se rende às tendências do momento e se curva para os homens da indústria, tais acusações não deixam de ser verdadeiras. Mascarada como uma rebelde punk que agora canta músicas direcionadas para garotas que ainda estão passando pelo colegial, ela conseguiu encontrar a fórmula perfeita para sua indefinida música indie eletrônica com vertentes pop e rock, mas todos os gritos, roupas legais e videoclipes retrô não tornam seu nome exatamente notório. Alguns diriam que ela nem mesmo poderia ser levada tão a sério, tendo em seu catálogo músicas bobinhas e repletas de palavrões como Sucker e Break the Rules, num álbum que poderia facilmente ser idealizado por uma adolescente entediada de quinze anos cujos pais estão se separando e as notas escolares não vão tão bem, mas Charli já mostrou mais de seu nato talento para composições antes, e ainda tem muito mais deste talento estocado que apenas clichês adolescentes disfarçados de couro e embalados por guitarras. Seguir uma linha mais comercial com o segundo álbum é normal e aceitável, afinal, é com ele que a maioria dos artistas se afunda ou se firma, e ela está apenas pisando em terreno sólido sem perder totalmente a fã base adquirida com canções como Nuclear Seasons e Black Roses, mas definitivamente há mais de Charli XCX para se ver.
De qualquer forma, Sucker é divertido, irônico e despretensioso, e como qualquer forma de entretenimento, ele também é válido, mesmo não sendo brilhante ou extremamente original como seria de se esperar de alguém cujo nome artístico termina em XCX.