#PFBReview – Kelly Clarkson se livra de fantasmas do passado em "Piece by Piece"

Que Kelly Clarkson é uma das cantoras mais subestimadas desta indústria não é segredo. Mesmo sendo a primeira vencedora do American Idol e apesar de ter um currículo de hits impecável, a americana nunca causa tanta euforia quando decide colocar um novo álbum em rotação. Ela pode chegar desavisada, mas todo o seu apelo comercial e empatia com o grande público se mostra quando emplaca canções de sucesso como My Life Would Suck Without You e Stronger. O último álbum de inéditas de Kelly saiu no já longínquo ano de 2011, mas quem pensa que ela ficou parada durante todo este tempo está enganado. Além de se casar e dar luz a uma garotinha, para preencher o buraco entre um projeto e outro ela lançou sua primeira coletânea de hits em 2012 e um single country e outro álbum repleto de clássicos natalinos no ano seguinte. 2014 já foi totalmente voltado para a produção e finalização do que hoje é Piece by Piece, uma divertida reciclagem dos elementos que deram certo ao longo da carreira da artista, com a abordagem mais pessoal desde o injusttiçado My December. Exceto por uma vez ou duas em quase 14 anos de carreira, a sonoridade de Kelly nunca sofreu grandes alterações, e seu único desafio sempre foi se mostrar relevante, mesmo que ela esteja absolutamente confortável em algum nicho inferior a outras divas maiores e mais populares.

Heartbeat Song foi o primeiro single lançado desta nova e amadurecida era, e é exatamente tudo aquilo que esperávamos: uma canção com um hook extremamente pegajoso que traz de volta aquela fórmula pop-rock que ninguém prepara melhor que Clarkson. Heartbeat também funciona como uma perfeita introdução no contexto do álbum, abordando a vitória de Kelly sobre o seu medo de amar novamente e criando uma atmosfera doce e promissora para as próximas faixas. Invincible é uma canção poderosa escrita pela hitmaker Sia que servirá também como o segundo single do material. Talvez a Stronger deste álbum, a ótima amostra pop é guiada por percussão pesada e violinos tímidos e é tão poderosa em vocais quanto uma colaboração de Clarkson e Furler poderia ser. Someone é uma belíssima balada ressonante produzida pelo Matthew Koma (o encarregado de grande parte do álbum Kiss, da canadense Carly Rae Jepsen) sobre achar a pessoa certa com quem passar o resto da vida e dividir suas inseguranças. Kelly, pega leve que já não estamos bem!

“Você tinha suas bandeiras vermelhas levantadas; mais tráfico que no leste de Los Angeles, mas eu dirigi em sua direção mesmo assim.”

Take You High é um midtempo peculiar que chama mais atenção pelos truques do Jesse Shatkin (Ellie Goulding, P!nk) que pela letra em si. Injetada com uma saudável dose de sintetizadores, Kelly brinca com saltitantes efeitos eletrônicos e ainda consegue proporcionar um show repleto distorções e pirotecnias vocais único, que certamente o levam o mais alto possível. Piece by Piece é a faixa-título, minha favorita e o número mais pessoal de todo o álbum. Similarmente a Dark Side do disco anterior, Kelly canta letras absurdamente sombrias e dolorosas em contraste com uma melodia de canção de ninar. Relembrando uma infância conturbada e um relacionamento até hoje trágico com o pai, a artista revela como se curou dos traumas do passado com a ajuda do marido e ainda promete nunca abandonar a filha como foi abandonada. Se você achava que Because of You é o mais próximo do próprio coração que Clarkson já chegou, pensará duas vezes daqui em diante.

“Pedaço por pedaço eu caí longe da árvore… Nunca irei abandoná-la como você me abandonou. Ela nunca terá de questionar seu valor, porque ao contrário de você eu a colocarei em primeiro lugar.”

Kelly afirmou recentemente que encontra dificuldade em coagir colegas de profissão a colaborarem com ela numa faixa. Para sua sorte (e nossa também) o astro do R&B John Legend não a desdenhou e aceitou fazer parte da regravação de uma canção lançada inicialmente pelo Tokyo Hotel, intitulada Run Run Run. Kelly afirma não saber que sua versão é um cover, então talvez tenha apenas sido transportada ao mesmo estado emocional que nós ao ouvirmos estes mesmos acordes lamentosos. Sutil, mas extremamente poderosa como Say Something (de A Great Big World e Christina Aguilera) a união nos faz desejar que a cantora tivesse colaborado com outros artistas mais frequentemente ao longo de sua carreira. Eu ouvi também a versão original, e posso afirmar que Kelly só aperfeiçoou o que já era uma balada arrasadora do Bill Kaulitz.

“E você esperou na chuva, enquanto em meio às lágrimas meu coração se enjaulava.”

I Had a Dream é uma faixa encorajadora onde Kelly aconselha os fãs a perseguirem os próprios sonhos, não importa quais eles sejam, e critica as ideologias distorcidas da sociedade moderna. O conceito funciona mais na teoria que na prática e a percussão soa falha, passando quase que despercebida no conjunto do álbum. Prefiro mil vezes Schoolin’ Life da Beyoncé. Em Let Your Tears Fall Kelly apazigua o sofrimento de outra pessoa numa composição da Sia. Se você procura pela próxima Standing in Front of You e quer uma fuga das baladas mais extremas do disco, Tears soará genuína e agradável. Tightrope é uma balada powerhouse aliada ao piano sobre dependência que, apesar de indiscutivelmente bela, nos faz sentir falta de algo um pouco mais uptempo na lista de faixas. War Paint é uma das poucas canções não produzidas pelo Greg Kurstin, em que Kelly levanta uma bandeira branca e clama por trégua em meio a uma guerra metafórica de vaidades. Talvez até mesmo uma resposta bem-humorada a seus críticos? De qualquer forma, War Paint é o “pedaço” mais energético do álbum desde Take You High.

“Nós podemos ser lindos sem toda essa maquiagem, e nós podemos ter tudo assim que baixarmos nossas guardas.”

Dance With Me é outro convite de Kelly a abandonar as guerras e o rancor e apenas cair na dança com ela. Com inspirações country, rock e até dance, a décima-primeira canção do Piece by Piece é uma re-edição de People Like Us que soa exatamente como um grito de alívio após uma sequência interminável de baladas emocionalmente profundas. Não ficaríamos decepcionados caso a RCA decidisse trabalhar a faixa como single futuramente. Nostalgic é uma faixa pop-rock que poderia ser facilmente confundida com uma demo perdida do distante Breakaway, em que Kelly relembra os bons momentos de um relacionamento antes de seu fim. Não faz tanta diferença assim no resultado final, mas talvez evoque memórias positivas em alguns dos fãs mais fiéis da ex-Idol. Good Goes the Bye vem com o fim da edição standard e é uma semi-balada que tem a artista lamentando mais uma vez um adeus, desta vez entre percussão e palmas rítmicas. Não é uma das mais notórias do disco, e os vocais de Kelly soam até mesmo monótonos e desinteressados, o que me faz questionar seu posicionamento como justamente a última música. A faixa-título poderia, talvez, ter feito um trabalho melhor neste quesito.

“E quando a música começar e as luzes se apagarem, todos iremos ser encontrados.”

Bad Reputation é a primeira canção bônus e passa longe de ser outro cover do hit de Joan Jett. Com um pé fincado no country e outro no blue-eyed soul, a cantora mostra que aprendeu sim alguma coisa com seus amigos de Nashville. In the Blue mostra Kelly encarando a realidade de um amor transcendente e eterno. A baladinha acompanhada de sintetizadores é deliciosamente soturna, e eu substituiria facilmente I Had a Dream da edição padrão por ela. “Por que construímos todos estes ídolos só para assisti-los cair?” É com esta pergunta que Kelly começa Second Wind, uma saudosa resposta a todos aqueles que a subestimam e dedicam seu tempo a criticá-la. Este sim é um jeito apropriado de se terminar um álbum, e sem dúvidas a melhor faixa bônus.

“Você pode me odiar, me subestimar, faça o que quiser, porque nada me atinge.”

Piece by Piece é a jornada de uma mulher que ao longo de seu percurso enfrentou desafios dos mais diversos, desde sua vitória no American Idol até se adaptar a ser uma mãe. Kelly passou tantos anos buscando santuário, e o novo álbum indica que ela finalmente encontrou um. Aprender a ignorar o ódio alheio e abandonar fantasmas que a assombram desde os seis anos de idade não deve ter sido uma tarefa das mais fáceis. Este não é o melhor trabalho dela, muito menos uma maturação musical, mas sim espiritual, e neste ponto Kelly não tem muito mais o que provar. Hits? Ela tem de sobra. Dinheiro? O suficiente para durar por toda a vida. Felicidade? Ela parece estar se divertindo genuinamente, e uma prova disso é a forma como ela ignorou completamente a resposta negativa à capa duvidosa do CD, então qual o ponto de atirar mais pedras em sua direção? Vamos nos ater à música. No fim das contas, é ela e a forma como toca o coração das pessoas que realmente importa, porque a própria já mandou o recado: ela só está acabada até que apareça uma chance de brilhar novamente.

Valem o play: Invincible, Someone, Piece by Piece, Dance With Me

Passo: I Had a Dream, Good Goes the Bye

TBT nota

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