Marina Diamandis é uma das artistas favoritas (senão a favorita) daqueles que frequentam o vasto universo da internet. Tendo sido no início uma figura frequente em redes sociais como o Tumblr e o MySpace, a britânica de ascendência grega conquistou já em seus primeiros anos como cantora uma multidão de fãs fiéis com seus EPs independentes, disponibilizados por ela online, e não demorou muito para que a moça conseguisse um contrato com uma gravadora, virasse uma profissional e colocasse no mercado The Family Jewels, seu disco de estreia, que foi aclamado tanto pela crítica quanto pelo grande público e apoiado em singles icônicos como Hollywood e Oh No!. O álbum serviu de base para que a performer de Wales se mostrasse para o mundo, mas foi com Electra Heart, seu segundo e meticulosamente planejado álbum, que Marina caiu nas graças do grande público.
Vestindo o alter-ego Electra, ela conseguiu emplacar hits no top 40 do Reino Unido como Primadonna e Radioactive, e outras canções como a memorável How to Be a Heartbreaker também não falharam em garantir que Marina fosse nossa nova queridinha do cenário pop. Electra Heart provou que ela podia transferir todo o conteúdo lírico excepcional de The Family Jewels para canções mais eletrônicas e comerciais, e mesmo que o loiro e o EDM estejam já no passado, enterrados com a pobre Electra, a jornada continua em FROOT, o terceiro trabalho da artista. Marina nunca foi e nunca será aquela com as maiores vendas e o maior destaque, e está plenamente consciente disto, não sendo algo que a preocupa tanto, já que seu propósito é escrever para si mesma e entreter o intrínseco, porém extremamente fiel grupo de fãs, e Froot (um neologismo para “fruta” em inglês), chegou exatamente como um presente para aqueles que têm acompanhado seus passos desde o início, mas, mais principalmente, como uma terapia para a própria.
É importante ressaltar que todas as doze faixas do disco foram escritas unicamente por ela, o que é algo extremamente raro de se encontrar nos dias de hoje. Como a mesma afirmou, era algo que ela precisava fazer sozinha, e mesmo que Froot não tenha um plano de divulgação tão elaborado e fascinante quanto o de Electra Heart (são apenas singles lançados em intervalos de um mês, num projeto chamado de “Fruta do Mês”), ele se mostrou extremamente fiel à proposta do carro-chefe, e não falhou em apresentar visuais literalmente saborosos que se não agradam ao olhar, irão sonoramente encantar os ouvidos. Por bem ou por mal, o disco vazou na íntegra faltando ainda duas “frutas” para serem compartilhadas antes, e como sou curioso e extremamente impaciente, não consegui esperar para conferir o que a feirante está nos ofertando desta vez. O que não é de forma alguma errado, já que quem estava pré-disposto a contribuir comprando o álbum não mudará os planos só por ele ter vazado. Isto dito, vamos ao próprio.
Como inicialmente já sabíamos, Happy é a baladinha abre-alas do registro, que terá você que é fã de Buy the Stars e turma aplaudindo de pé a execução da faixa, com seu ar profundo e intimista e Marina mostrando incansavelmente todo o seu talento, abusando de todos os graves, agudos e tessituras de sua distinta voz. Liricamente a cantora se livra de todo o sofrimento e do coração partido que inspirou mais de metade do disco anterior, e descobre que pode ser feliz sozinha, pelo menos momentaneamente, ao enxergar aspectos da existência humana que nunca tinha percebido antes e reconhecendo algum tipo de divindade, que parece dar sentido à sua vida e fazê-la vive-la um dia de cada vez. Conforme o álbum e seus temas forem se aprofundando, será possível perceber que Happy soa como a perfeita introdução para uma divertida crítica à ociosidade e necessidades humanas.
“Like the land joining the sea, happiness it folllowed me…”
A faixa-título todos já estouraram a cota de reproduções no iTunes, então não me demorarei muito nela. Uma das faixas pop mais subestimadas de 2014, a superproduzida e deliciosa Froot tem Marina ansiando loucamente pelo amante como uma fruta intocada na árvore, apenas esperando o momento em que terá seu suco espremido. Bom, na música tudo faz mais sentido. A melodia é extremamente cativante e nos faz querer sair dançando por aí com uma cesta de frutas na cabeça igual àquela da Carmen Miranda. Froot foi também o primeiro pedacinho do álbum que ouvimos, mesmo que não seja exatamente o primeiro single, o que ainda me deixa meio confuso e indignado.
“I’m your deadly nightshade, I’m your cherry tree, you’re my one true love, I’m your destiny.”
I’m a Ruin sim é o primeiro single, embora seja só a quarta “fruta do mês”. Marina possui essa característica masoquista de expor suas falhas em músicas, e I’m a Ruin não é muito diferente. Aqui ela revela que não anda tratando o boy como ele merece, e que seria melhor se ela o deixasse, mas como é assumidamente “fraca” não consegue. É uma das melhores e mais extravagantes músicas do Froot, com aquela sonoridade anos 90 pela qual as rádios estão implorando no momento.
“And I’ve tried to say… babe I’m gonna ruin you if you let me stay.”
Blue é outra das faixas animadas. Guiada por um teclado vicioso que próximo do refrão explode com a bateria e o baixo, o número anti-términos ainda está longe da definição do que era dance no último álbum, mas consegue conquista-lo sutilmente conforme a sonoridade do disco se torna mais familiar. Forget é a penúltima fruta do mês, a quinta música e também aquela que mais se assemelha aos primeiros trabalhos da artista, um pop-rock massivo de vocais assombrosos cuja letra mostra uma Marina sem quaisquer remorsos com relação a seu passado, e que parece ter saído direto de um dos discos do Florence and the Machine, o que a torna nada senão, ironicamente, inesquecível. Gold tem uma abordagem mais simples e instrumental leve, apesar de criticar mordazmente a forma como a indústria da música vende seus personagens nos dias de hoje, sempre buscando formas de extorquir o dinheiro dos consumidores como se ele fosse um fator indispensável, ao contrário da arte em si. Marina, é claro, está acima de toda esta roda de fortuna e deseja apenas ser devidamente apreciada. O xilofone, o teclado e as palmas incessantes contribuem para que o ar etéreo da canção seja criado, mas mesmo com toda a qualidade requintada e suas características intrépidas, Gold fica longe de ser uma das minhas favoritas.
“Yeah I’ve been dancing with the devil, I love that he pretends to care.”
Can’t Pin Me Down é a Sex Yeah da vez. Só que ao invés de criticar a forma como as mulheres e sua nudez foram e são tratadas na História, Marina brinca com toda a revolução feminista do século XXI, encarnando por exemplo uma personagem que é feliz ficando em casa esquentando o umbigo no fogão para o marido, e que não vê nada de errado em ter esta ideologia de vida. A mensagem é clara: cada mulher é única e merece o devido respeito pelo papel que exerce na sociedade. Os instrumentos ao vivo das músicas anteriores também retornam, o que já se tornou um aspecto marcante no Froot. Ponto!
“Do you really want me to write a feminist anthem? I’m happy cooking dinner in the kitchen for my husband.”
Solitaire é a depressiva oitava faixa, que traz de volta o xilofone de Gold e vocais que parecem ter sido gravados através de um túnel, o que reforça ainda mais o brilhantismo e o sentimento incorpóreo da canção. A solidão, depressão e o alcoolismo de Marina chegam a novos níveis quando ela se mostra cansada de se comunicar através de palavras, e fica claramente deslumbrada pela vista da cidade, que pulsa do lado de fora de sua janela com todos seus barulhos e luzes. “O gelado céu azul-cinza da Inglaterra” também contribui para o monotonismo confortante da canção.
“I’m not cursed, I was just covered in dirt.”
Better Than That é o que eu gostaria de chamar “Bad Blood britânico”. Armada com letras ácidas supostamente direcionadas à outra cantora mais famosa Ellie Goulding, Marina questiona a personalidade dupla de certa colega de profissão que dizia ser sua amiga, mas estava apunhalando suas costas desde o início, e ainda a aconselha a escapar da própria teia de mentiras antes que seja tarde demais e ela acabe enrolando a si mesma. Marina não tem certeza se a outra moça, a quem se refere por carinhosos adjetivos como “fruta envenenada”, só tem baixa auto-estima e quebra corações para se sentir mais confiante ou não, mas estamos mais do que certos que Better Than That e sua percussão e dedilhados de guitarra não sairão das nossas playlists tão cedo.
“Everybody’s friend, does it ring a bell? I know a little too much, but I will never tell.”
Weeds é de longe a minha favorita no álbum, com uma Marina completamente vulnerável e batalhando emoções que simplesmente se recusam a ir embora, mesmo que seus vocais e a produção da música, que não é tão diferente de todo o resto do Froot, abracem confortavelmente tais sentimentos contraditórios. Eu poderia cair de amores por Weeds simplesmente pelo magnífico solo de guitarra no fim. Certifiquem-se de que vão prestar atenção nesta em especial.
“You know the problem with history, it keeps coming back like weeds.”
Savages é outro uptempo clássico de Marina and the Diamonds, e outra afiada crítica à sociedade contemporânea e ao comportamento humano em geral. De acordo com Diamandis e seus sintetizadores, teclados, baterias e guitarras de sempre, “nós somos apenas selvagens escondidos por trás de gravatas, saias e casamentos” só esperando por oportunidades para mostrar nosso lado mais primitivo, o que ninguém pode contra-argumentar. É só ligar a TV e dar uma olhada nos noticiários.
“I’m not afraid of God, I am afraid of men.”
Em Immortal, a balada final e a conclusão da tese sobre comportamento humano introduzida lá em Happy, Marina enfrenta dogmas e a própria morte em si, descrevendo porque nós desejamos tanto ser lembrados mesmo após termos partido. No caso, como a ideia de imortalidade nos atrai como mariposas perseguem a luz, enquanto simultaneamente ela expressa seu claro desejo de ter seu legado perpetuado pelos fãs, mesmo quando não estiver mais aqui para contar suas trágicas e agridoces histórias. A mensagem com a qual Marina encerra seu Éden particular é belíssima e objetiva: todas as coisas acabam, mas o amor é a única que consegue vencer as provações do tempo e do plano físico.
“If I could buy forever at a price, I would buy it twice, twice…”
Pelo tanto de quotes que separei, é visível que adorei o que Marina fez com o álbum e a direção que escolheu seguir. Mas se me perguntarem qual o meu favorito dentre as três obras-primas já lançadas, ainda fico com Electra Heart e seus arquétipos. Ela está definitivamente mais relaxada e nem tão preocupada assim em emplacar hits, o que se reflete no desempenho dos primeiros singles do material e na reduzida agenda de promoção da era, mas Marina provou mais uma vez, o que não é exatamente uma surpresa, que pode compor ótimas músicas pop sem perder a marca registrada que seus seguidores tanto amam e cultuam. FROOT não é um conjunto inesquecível, mas é pessoal, consistente e extremamente mais orgânico que os trabalhos anteriores, e por isto ela merece todos os gritos e ovações que receberá no Lollapallooza este ano.
Infelizmente, tanto por escolha da própria quanto pela falta de maiores investimentos da gravadora, Marina and the Diamonds continua um dos nomes mais injustiçados do mundo da música, e está longe de ganhar o devido reconhecimento que merece, mesmo que com FROOT a musa tenha dado mais um passo fora de sua própria caixa de estrelato anônimo (mas não de sua zona de conforto). Só é realmente uma pena que as canções tenham chegado a nós antes do esperado e bagunçado os planos originais da moça, principalmente por serem tão especiais assim para ela, e pelo dinheiro que, mesmo assumidamente pouco, tenha sido investido. Mas como qualquer artista que se preze, Marina tem fé no projeto, seus fãs também, e no fim é esta relação que importa, e o que a garantirá sua tão desejada imortalidade. Para terminar, se eu resumisse FROOT numa única frase certamente ela seria:
Uma cesta de frutas dos mais peculiares gostos, que vão do doce ao agridoce, mas nunca decepcionam.