Apesar de suas características unicamente comerciais e de não oferecerem um suporte tão grande para as carreiras de seus participantes, reality shows musicais nunca pecaram em revelar talentos natos para o mundo. E o The X Factor, que começou no Reino Unido, tem mostrado uma explosão de novos cantores e grupos dos mais variados estilos musicais nos últimos anos, como por exemplo Leona Lewis, Alexandra Burke, One Direction, Little Mix e Union J. Nem todos são nomes que saíram de lá vitoriosos, mas foi no X Factor que tiveram seu verdadeiro início.
A versão americana pode ter apenas três edições, mas foi da inesquecível segunda temporada que conhecemos artistas como Carly Rose Sonenclar, CeCe Frey, Emblem3, e claro, “aquelas que deram certo”, ou pelo menos tem dado até agora, Fifth Harmony, um grupo de cinco garotas formado por Ally, Camilla, Dinah, Lauren e Normani, com timbres de voz únicos e que prometem ser a girlband mais relevante dos últimos anos. As garotas já lançaram o juvenil EP Better Together em 2013, de onde extraíram singles como Miss Movin’ On e Me & My Girls, mas agora parecem ter finalmente encontrado o som com o qual se identificam no primeiro álbum de estúdio, Reflection, que não dosa no feminismo e nas batidas hip-hop, soando longe até demais da sonoridade Disney de antes.
Top Down é a primeira música do álbum, e mesmo sendo uma mera introdução que talvez nem seja usada para propósitos comerciais mais tarde, entrega a mensagem logo de cara: elas não têm muito dinheiro, mas são cheias de estilo, acabaram de chegar na cidade e só querem dar um “rolé” com a capota do carro abaixada. Parece que a festa sediada no videoclipe de Me & My Girls vai ser agora outra. BO$$ já tem um título chamativo por si só, e a execução da faixa, que é também o primeiro single e a canção de transição para a idade adulta das garotas, faz jus aos dois “$” que carrega e à definição da palavra “Chefa”. É tanto girl power, vocal, feminismo e trompetes que alguém que ainda não superou Better Together pode ficar até perdido. Michelle Obama e Oprah Winfrey devem se sentir orgulhosas de si mesmas.
“Michelle Obama, purse so heavy gettin’ Oprah dollars.”
O segundo single Sledgehammer foi escrito pela sensação pop do momento, Meghan Trainor, e é bem diferente dos doo-wops e da ska music à qual a hitmaker de Lips Are Movin’ está acostumada. “Se você sentir o meu pulso agora, ele te acertará como uma marreta”. Certamente, meninas, ainda mais depois desta brilhante ponte e dos nervosamente impactantes segundos finais da canção. Sledgehammer consegue soar melhor a cada play. A quarta faixa (e terceiro single?) é Worth It, com o Kid Ink, outra de dezenas que se renderam ao trompete, mas as genuínas semelhanças com Talk Dirty terminam aí. Após agirem como chefonas e se mostrarem extremamente ansiosas ao lado de um garoto, as garotas agora tentam provar o seu valor. This Is How We Roll tem seus riffs de guitarra e vocais harmonizados, mas nada mais é que outra faixa electro-pop do Dr. Luke que não soaria nem um pouco estranha na voz de Kesha. Everlasting Love mira naquele bobo romance adolescente após cinco músicas de pura atitude, revelando que as moças ainda têm um pouco do mel de Better Together estocado. A letra pode soar ilusória, mas os leves toques do piano e a incessante percussão ajudam as garotas a exporem seus corações e seu lado mais vulnerável. Já em Like Mariah, uma parceria com o rapper Tyga, elas provam que mandam bem também no R&B, utilizando samples do hit Always Be My Baby da Mariah Carey, e ainda arriscando utilizar o nome da diva como títul0.
“You set my heart on fire, when you touch my body got me singing like Mariah.”
Them Girls Be Like é uma das músicas mais peculiares no álbum, justamente por retratar de forma convincente, senão perfeita, a forma como garotas de quinze anos se portam atualmente, tanto pessoalmente quanto em redes sociais como o Instagram, enquanto as cinco ainda celebram suas curtidas em fotos e o fato de continuarem lindas nelas até mesmo sem utilizar filtros.
“Do you ever post your pics with no filters, hashtag ‘I woke up like this’ too?”
Reflection é a enganadora faixa-título, que leva os ouvintes a pensarem que as garotas estão expressando o amor por seus pretendentes, mas, na verdade, admiram é o próprio reflexo no espelho. Um pouco autoconfiante demais, mas Beyoncé aprovaria toda esta bomba de autoestima. E falando em Beyoncé, as moças pegam o título de uma de suas músicas emprestado em Sugar Mama, a décima da lista, para que esteja claro para o garoto que elas não podem ser as provedoras, e se ele quiser viver na mordomia, é melhor trabalhar. Ui… We Know é a balada que encerra a edição standard, e enquanto o grupo se une e ressalta sua inabalável amizade ao acusar determinado garoto de ser um aproveitador, aproveitam para mostrar todo o seu distinto talento vocal. Parece algo que Ciara certamente gravaria, e talvez seja o melhor número R&B de todo o álbum, e fizeram bem em deixa-lo para o fim.
“Them other girls told me how to play your game. Yeah, we know all about you.”
Going Nowhere é a primeira canção bônus, e não, não se assemelha com aquela outra balada do Little Mix. As garotas tentam convencer o cara que o lance ainda pode dar certo, mas ele parece estar decidido a seguir em frente. O produtor é o mesmo de Suga Mama, e o interessante mesmo são as acrobacias vocais. Body Rock começa como um festival das mais variadas sirenes embalado por palmas e sensualismo, mas, infelizmente, o refrão cai no electro-pop adolescente que a este ponto já se tornou clichê. Brave Honest Beautiful é uma parceria com Meghan Trainor, que compôs Sledgehammer e agora faz uma pontinha na última música do álbum, que nada mais é que outro hino de autoconfiança para garotas inseguras, com referências a Beyoncé, Shakira, Rihanna e Madonna. Essas garotas estão realmente tentando ser sua melhor amiga, não é?
“So whine like Rihanna, go and pose like Madonna…”
E então, Vinicius? Essas meninas realmente evoluíram ou só estão tentando ser algo que, pelo menos ainda, não são? Isso você terá que perguntar a si mesmo, pois este é apenas o primeiro álbum que elas colocam no mercado, e a resposta teremos só em alguns anos, isso caso o grupo realmente se mostre unido como é divulgado e decida investir ainda mais na carreira. De um jeito ou de outro, definitivamente não estamos mais lidando com adolescentes deslumbradas recém-saídas do X Factor direto para um mundo de fama, fãs e dinheiro. Fifth Harmony está se tornando uma ameaça, e mesmo que em alguns momentos todo esse feminismo exacerbado e autoestima extrema soem forçados, as cinco conseguiram produzir um disco sólido, com uma sonoridade que coube melhor a suas vozes que o pop chiclete do mediano EP de estréia, e quem sabe elas até consigam extrair do Reflection sua própria ***Flawless? Afinal, há o suficiente para escolher. Eu sou um grande fã de feminismo e girl power, mas apenas até certo nível, sendo que um álbum focado quase que exclusivamente nesses temas se torna um pouco cansativo. De qualquer forma, valeu garotas.
Sledgehammer e Worth It ainda tocarão muito por aqui.