A primeira vez que ouvi falar de Ella Henderson foi, talvez, quando quase que aleatoriamente assisti a uma apresentação da moça no The X Factor UK, quando ainda era uma participante do programa, cantando Rule the World do Take That. Lembro que fiquei bastante surpreso com o soprano cheio dela, e como ela era uma das queridinhas, foi realmente um baque quando soube que Ella tinha sido eliminada. Se vocês não se lembram desta temporada, o ganhador dela foi o James Arthur, que também fez por merecer, mas pelo o que parece, já está sendo ofuscado pela novata aqui.
Como Ella não é boba nem nada, assim que foi dispensada do show tratou logo de assinar um contrato com a gravadora do Simon Cowell, a Syco, e ao contrário do que era de se esperar não lançou seu material de súbito para aproveitar todo o hype recebido pelo programa. Ela levou dois longos anos (sim) preparando lentamente o seu debut, reinventando o visual e listando colaboradores dos mais famosos, que iam de Ryan Tedder (Beyoncé, Leona Lewis) a Salaam Remi (Amy Winehouse, Alicia Keys) para integrar o grupo de peso que em 2014 faria nossos queixos cair, mais uma vez, com o lançamento de Chapter One.
Mesmo já sabendo como a moça era uma musicista nata, não foi com grandes expectativas que fui conferir o primeiro single (e também primeira música do registro) Ghost. Felizmente fui pego completamente desprevenido pela magnitude do hit, que provando sua qualidade irrefutável caiu na boca do povo e garantiu a Ella seu primeiro líder de vendas no Reino Unido e no mundo todo. Ghost não é o que você esperaria de um single de estreia, e tudo foi sem dúvidas um tiro no escuro… Na direção mais certeira impossível. Apoiada num órgão pesado e na percussão característica do Tedder, a grandiosa balada sobre um amor doentio consegue ao mesmo tempo encantar e assombrar o ouvinte, com os beltings da performer e a forma como ela incorpora sua personagem sendo alguns dos principais atrativos.
“Eu enfrentei o inferno para provar que não sou louca. Precisei conhecer o diabo só para saber seu nome.”
Depois do poderoso grand finale do primeiro single, nem temos tempo para assimilar maiores informações quando Ella já começa a entoar a igualmente monumental Empire. Sem dúvidas a faixa que mais ouvi em todo o ano de 2014, a balada de proporções homéricas produzida pelo TMS (mesmo time por trás de Wings do Little Mix) é um show de violinos, tambores tribais e vocais grandiosos que culminam num verdadeiro hino de glória para corações apaixonados. Nem preciso dizer que se tornou minha favorita em todo o álbum. Duas palavras apenas: QUE. MÚSICA.
“Eu e você podemos reinar nos corações um do outro, vamos construir este amor e fazer dele nosso império.”
Glow é a terceira música e o segundo single, e mesmo não sendo tão poderoso quanto a dupla inicial, o conceitual midtempo não falha em perpetuar a onipotência das colegas de álbum. A produção magistral e as ginásticas vocais proporcionadas pela artista soam tão místicas e tribais quanto a letra em si, que é perfeita para trilhas sonoras de filmes fictícios como Harry Potter e Percy Jackson. Na verdade, não me surpreenderia nem um pouco se ouvisse uma pontinha de Glow em algum blockbuster adolescente este ano. Yours é a primeira balada legítima acompanhada apenas por voz e piano. De duração extremamente curta e letra honesta, a faixa de produção simples demonstra as habilidades naturais de Ella tanto para o canto quanto para a composição, colocando-a até mesmo no patamar de outras balladeers como Adele, mas não é exatamente um dos grandes destaques. A canção também serviu como o terceiro single do álbum.
“Nós somos fogo, nós somos fogo, e nosso amor irá queimar, a chama nunca se apagará.”
O quarto single oficial Mirror Man é um R&B pomposo e repleto de violinos, com letras acusatórias sobre um narcisista que não consegue amar ninguém além de si próprio, e que lembra muito outros trabalhos de Paloma Faith e também da já citada Adele. Ella pode ser old-school também, no fim das contas. Hard Work é a faixa mais longa da lista e também a mais fofinha. Através dela conhecemos um lado romântico incurável da cantora, que nunca deixa de acreditar no melhor do amado mesmo quando ele a tira do sério, o que acontece quase 99% do tempo. Quem não consegue se identificar né, gente? Ella também parece sempre optar por instrumentos mais clássicos, dando preferência a violinos e harpas aqui, além de arriscar mostrar um pouco também do seu whistle register. A moça definitivamente é madura demais para sua idade.
“De alguma forma tudo está em seu devido lugar, e você pode perceber isto pelo sorriso em meu rosto.”
A Demi Lovato-rística Pieces tem a missão de elevar os ânimos do disco novamente depois de uma série de baladas e números de R&B. Produzida novamente pelo TMS, Ella entoa sobre se livrar de um cara que, aparentemente, já deu o que tinha que dar e está ali fazendo hora extra. Pieces é provavelmente o momento mais frenético do álbum, e a primeira vez em que ouvimos um pouco de guitarra nele. A voz de Ella soa incrível nesta, com seu registro de apito dando as caras mais uma vez, e é praticamente impossível não cantar junto os contagiantes woah oh oh oh’s. The First Time é o tipo de faixa R&B que outras divas como Meghan Trainor e Leona Lewis matariam para ter em seus álbuns, com aquela vibe old-school que ainda soa como algo que tocaria facilmente nas rádios hoje em dia. Na música Ella mostra seu lado mais brincalhão, fazendo graça da nova namorada do ex, que é uma versão atualizada dela, das roupas que usa até a cor do cabelo, mas, claro, não melhor que a própria. All Again é uma balada powerhouse acompanhada pelo piano sobre ter seu coração cortado em pedaços, mas sem quaisquer arrependimentos. Novamente, Ella se mostra incrivelmente madura para seus dezenove e poucos.
“Se eu encontrasse uma forma de voltar no tempo, seria o suficiente para mudar sua mente? E então eu faria você ficar…”
Give Your Heart Away é a balada bombástica onde Ella aproveita para mandar um recado para o garoto que brincou com seu coração só para dispensá-la, e que agora a quer de volta. Grande destaque da reta final da edição padrão, esta décima música não economiza tanto em notas altas quanto na produção luxuosa, característica que parecia ter ficado para trás no primeiro terço do álbum.
“Nada poderia ser o mesmo entre a gente, porque agora você me quer, mas eu não quero você.”
Em seguida temos a animadinha e literalmente explosiva Rockets, que mesmo sendo a décima-primeira música não faria feio caso fosse lançada como single do projeto. Produzida pelo Claude Kelly (Jessie J, Britney Spears) e acompanhada por muitas palmas e sons de festa, Henderson mostra que também sabe aproveitar os bons momentos da vida quando eles vêm. Lay Down já cai como um balde de água fria, mas não de uma forma negativa, rs. A baladinha parece ser de cunho extremamente pessoal para a artista, dedicada talvez para algum parente próximo falecido, e a mostra vivenciando a dura realidade da morte num quadro completamente melancólico, que para alguns ouvintes soará dolorosamente pessoal. Seria interessante ver como ela se sairia cantando esta ao vivo. Missed é a última balada da edição padrão e segue a mesma linha de Lay Down, com Ella dando adeus a alguém extremamente querido, mas reconhecendo que é a coisa certa a ser feita. Curiosamente foi esta canção que a moça interpretou durante sua primeira audição para o X Factor, mais de dois anos atrás, e sua colocação como última na lista de faixas (excluindo o material bônus) soa como o verdadeiro fechamento, com chave de ouro, do Capítulo Um de sua já brilhante carreira.
“Você me mostrou que o amor pode construir um lar, mas agora eu sei… É hora de deixa-lo ir.”
Billie Holliday é o primeiro bônus e uma celebração dos melhores elementos existentes no R&B. O primeiro disco que Ella ganhou em toda a sua vida pertencia ao cantor de jazz Billie Holliday, que intitula a faixa, e entre muitas harmonias, palmas, assovios e gritos ela nos pinta um cenário perfeito de sua infância e dos seus primeiros sonhos, que incluíam ser uma sereia, o que ainda é um tema recorrente em suas entrevistas! Hahahaha. Billie Holliday é sem dúvidas a canção mais divertida e descompromissada de todo o álbum, e terá você dançando e relembrando natais em família já nos primeiros acordes. Beautifully Unfinished já pertence ao grande grupo das baladas e é disparado o melhor que a edição estendida tem a oferecer. Acompanhada novamente de seu melhor amigo o piano, Ella sofre por um relacionamento de amor e ódio que machuca incessantemente os dois apaixonados, mas que no fim das contas sempre será incompleto.
“Toda vez que eu estou com você eu pareço esquecer de respirar, você me tem como uma boneca de pano e eu estou dançando em sua corda.”
1996 é o ano em que Ella nasceu e o título de uma das músicas mais memoráveis e adoráveis de todo o Chapter One. Dedicada à sua melhor amiga de infância, a baladinha remonta às brincadeiras de criança das duas e seus sonhos, e como a cantora sente falta desses tempos de ouro em que a única preocupação era não perder um episódio sequer de Lizzi McGuire. Ella quer apenas agradecer à amiga pelos momentos felizes que passou ao lado dela, e com um instrumental de canção de ninar e essa voz de anjo é impossível não ficar emocionado.
“E só o futuro sabe quando formos velhas e grisalhas quem vamos ter nos tornado, mas a cada dia eu te amo mais, você fez tudo por mim.”
Na décima-sétima faixa Ella e seu piano adentram o perigoso e excitante terreno dos bad boys. Uma das baladas mais dispensáveis da lista, mas ainda assim extremamente bela, Five Tattoos tem como muso um garoto de olhos castanhos, com jeans apertados e rasgados e cinco tatuagens, dos ombros até as mãos, e que tem o coração da intérprete na palma delas. Não sou um grande entusiasta da música, mas adoro o vídeo acústico que Ella lançou em seu canal no VEVO tanto tempo atrás, antes mesmo de toda a euforia em torno de Ghost.
Giants sim é a verdadeira última canção do extenso álbum, e uma balada poderosa que a cada verso instiga seu ouvinte a ser forte perante as dificuldades da vida. Todos têm dias ruins, até mesmo Ella Henderson, mas o importante é não se deixar abater e sempre estar disposto a seguir em frente. E espera aí! Não acabamos por aqui, rs. Ella ainda reservou três faixas acústicas para os fãs, elas sendo versões mais simples de Give Your Heart Away e Rockets, além de um cover do eterno hit Believe, da Cher, que ela também cantou no X Factor. O material extra do material extra só serve para Ella mostrar todas as maravilhas que sua voz pode proporcionar aos nossos ouvidos acompanhada apenas por um piano.
“Não deixe o medo te impedir de escalar. E se você cair no chão, apenas continue tentando.”
Depois de rasgar elogio atrás de elogio à britânica, não tenho mais palavras rebuscadas em meu vocabulário para formular uma conclusão mais elaborada. Vou ser bem breve e apenas dizer que agora, dois anos depois, estou feliz por Ella ter perdido o X Factor. Ela ganhou muito mais experiência fora das telinhas, e conseguiu voltar provando que o público não tinha se esquecido da injustiça que fizeram a ela. Ghost é só o primeiro de muitos hits de um nome que, se tão bem manejado como está sendo agora, será sólido e relevante. Ella é uma estrela extremamente madura para sua idade, e apresentar não só um álbum, mas um diário praticamente perfeito, com canções extremamente pessoais que nunca perdem o apelo comercial é uma tarefa dos diabos. Eu evito a todo custo usar este termo, “perfeito”, mas não há adjetivo melhor para definir este primeiro capítulo. De muitos, espero eu.
Parabéns, Mrs. Henderson. Você já ganhou uma carreira e o melhor álbum de 2014 de acordo com muitos, e agora tem também meu coração e uma mais que merecida nota 100!