Não é raro que devido a dificuldades financeiras um filme se estenda por vários anos até sua versão final, porém não é esse o motivo que levou o diretor Richard Linklater a demorar doze anos para a conclusão de sua obra. Ao invés de utilizar vários atores para retratar a vida do protagonista Mason (Ellar Coltrane), todo o elenco foi reunido uma vez por ano para filmar uma sequência, finalizadas em um corte de quase três horas, acompanhando não apenas Mason, mas também seus parentes próximos ao longo de mais de uma década.
É possível imaginar algumas dificuldades para a realização de um projeto tão inusitado e peculiar. Sem dúvida o roteiro teve que passar por adaptações e o enredo não conta com nenhum grande tema. Uma narrativa bem linear mostra de forma bastante clara as dificuldades que encontramos da infância à juventude e como o contato com uma série de pessoas ao longo dos anos influencia nos moldes de nossa personalidade. Mason e sua irmã Samantha (Lorelei Linklater) não foram planejados, o jovem casal formado pelos pais logo se separou e a guarda das crianças tendo ficado com a mãe acaba dando ênfase na vida de Olivia (Patricia Arquette).
Criar filhos não é fácil, sobretudo quando essa tarefa cai no colo de uma pessoa que acaba de deixar a adolescência, com a expectativa de viver a vida sem as amarras familiares da juventude. Olivia se desdobra para ser a melhor mãe possível, cuidar da própria carreira e conciliar tudo com sua vida pessoal. Gravado no extremamente conservador estado do Texas, a imagem que o filme nos passa do pai das crianças não poderia ser outra. Mason Pai (Ethan Hawke) não chega a ser um pai ruim, porém passa tão pouco tempo com os filhos que dependeria de um grande esforço para utilizar alguns poucos fins de semana para além da ausência ainda tomar atitudes ruins.
É evidente que ser um pai ausente deixando nas mãos da mãe praticamente todo o trabalho pesado já faz com que Mason Pai não seja um exemplo. Apesar disso, é possível encontrar em meio a esse machismo alguns diálogos bem produtivos entre pai e filho, com conselhos preciosos e, com a falta de jeito natural diante de algumas situações, as devidas instruções que nem sempre são feitas por pais fisicamente presentes em tempo integral. Como não acompanhamos a vida de Mason Pai fora do contato com as crianças, não existe a certeza dos percalços em seu caminho, mas sem dúvida a distância das crianças dá a possibilidade de uma margem de erro muito maior. Olivia tem todo o direito de seguir sua vida, a diferença é que novos relacionamentos, conturbados e complexos para qualquer pessoa, ganham um peso maior quando crianças estão envolvidas.
É possível que a dificuldade de relacionamento com os filhos seja superada pela dificuldade de relacionamento com os enteados, o que não alivia a tentativa quase infantil de padrastos querendo se impor de forma desnecessária e excessiva. A tentativa mais que compreensível de Olivia de proteger os filhos esbarra inevitavelmente no desgaste de relações entre todos os envolvidos, inclusive dela com as crianças, cuja visão de mundo muito mais objetiva e prática dificilmente compreende certas complexidades desnecessárias dos adultos. Entre idas e vindas os personagens crescem, os adultos amadurecem e o ciclo mais comum da vida em sociedade vai aos poucos sendo completado. Em alguns pontos é possível notar as cenas um pouco desconexas, até pelas características da filmagem, sem que isso influencie na qualidade da obra. Em um filme tão longo, nem sempre é o protagonista Mason que está em evidência, há espaço para os que o cercam, ainda assim acompanhamos os processos mais importantes do menino que passa pelas dificuldades de cada fase até chegar à universidade.
Ao contrário das expectativas que se cria ao redor de um protagonista, ainda que a vida de Mason guie o filme, são as entrelinhas de sua vivência que dão vivacidade às tramas. A vida de Mason poderia ser mostrada de uma forma mais simples e resumida, utilizando vários atores para que as filmagens não demorassem tanto, porém as relações sociais que permeiam o protagonista perderiam força. O acaso que nos faz encontrar com pessoas desconhecidas, com o poder desconhecido de mudar nossas vidas em poucas palavras é construído ao longo do crescimento de Mason nestes doze anos. Essa característica de ter uma história sustentada por frágeis detalhes está presente em todos nós, mas poucas vezes paramos para pensar no que nos estrutura. Por mais que tenhamos sonhos e idealizemos nossos passos, fechar os olhos para os imprevistos seguindo a risca cada meta pode ser mais prejudicial que benéfico. Neste sentido Olivia ganha destaque no filme. Depois de um início fundamental a mãe passa a ter participações discretas, ainda que importantes, mas quando vemos a trajetória dos filhos, da qual ela não só faz parte como também tem participação ativa, é possível notar como ela superou os imprevistos da vida sem muita noção de como agir, mas com a determinação de quem não quer abrir mão de poder olhar para trás e notar que fez seu melhor.
Dentre tantas coisas que “Boyhood” diz, a mais marcante acredito que seja exatamente esta, esta visão de que tudo o que nós vivenciamos é apenas um passo, a vida não é como um filme repleta de reviravoltas e provações, é apenas um passo de um caminho que seguimos às cegas, sem jamais saber para onde vamos ou que iremos fazer. E não importa o que façamos, estaremos sempre perdidos. O filme ainda debate sobre esta “padronização” da vida, o fato de nos identificarmos com a vida de Mason é porque todos nós somos levados a realizar as mesmas coisas, o colégio, a faculdade, o trabalho, é tudo como o personagem diz, é apenas um “espaço pré-determinado” reservados para nós, e nada disso definirá o que somos ou nos libertará da confusão que é a nossa mente. E que talvez passado e futuro não importam, nada adianta refletir sobre o que aproveitamos ou que aproveitaremos, os momentos são o agora, as chances estão no presente.
É válido dizer, porém, “Boyhood” pode representar algo diferente para cada pessoa, cada um mergulhará nas histórias a sua maneira e retirará o melhor para si. Assista “Boyhood” e faça bom proveito. O filme obrigatório do ano. Genial parece pouco para descrever o que vi, uma experiência única, dolorosa, mas ao mesmo tempo, tão doce, tão delicada, tão honesta. Uma obra-prima.