Todos nós sabemos que o mercado da música vive um ciclo vicioso de explorar aquilo que está em alta, seja em questão de sonoridade, letras, performances e conceitos. Acontece que de tempos em tempos a indústria cai no ostracismo e passar a viver em uma busca constante por inovação, o que acaba sendo um paradoxo se levarmos em consideração que a mesma também tende a subestimar artistas que surgem com propostas diferentes daquelas que estão no mainstream.
Com Elizabeth Woolridge Grant, vulgo Lana Del Rey, a história é basicamente essa: seu estilo cinematográfico fugia de todo o estereótipo que estava em alta nas paradas de sucesso da época e por isso o seu trabalho foi por inúmeras vezes tido como desnecessário. Para algumas pessoas se tratava apenas de mais um dos caprichos de uma menina rica e mimada de Manhatthan.
Os primeiros passos
Antes do seu primeiro viral lançado no final de 2011, “Video Game”, Lana tinha um estilo totalmente diferente do atual. Ao invés do visual sessentista, a cantora costumava se apresentar nas casas de show de Nova York vestindo apenas uma T-shirt e uma calça jeans, além de claramente se esconder por trás da sua timidez.
Em 2008 Lana dava início a sua trajetória na indústria fonográfica com o lançamento do primeiro EP, “Kill Kill”. A sonoridade já dava indícios do que viria pela frente ao carregar referências do jazz, blues e eletrônico e também explorando a rouquidão da sua voz em um cenário mais introspectivo.
Pouco mais de um ano depois, o primeiro álbum da cantora nova-iorquina foi lançado também sob o selo da 5 Points Records de David Kahne. “Lana Del Ray a.k.a. Lizzy Grant” apresentava ao mundo a sua nova persona “Lana Del Ray”, até que um misterioso rompimento entre Grant e Kahne resultou na retirada do álbum de circulação.
“Video Game”, mainstream e “Born to Die”
Eis que agora sob o selo da Stranger Records, “Vídeo Game” surge levando o nome da Lana Del Ray para as paradas de sucesso. Vale ressaltar que o nome artístico da cantora é uma referência a atriz Lana Turner (diva de Hollywood nas décadas de 40 e 50) e do carro Del Rey (modelo clássico dos anos 80 da Ford).
Nessa época não era apenas o nome que era novo, mas Grant agora explorava também um visual totalmente diferente do seu primeiro disco: cabelos longos e castanhos e roupas com referência aos anos sessenta (alguns inclusive afirmam que ela chegou a fazer preenchimento labial para deixar a boca mais carnuda… amadah? rs).
Com o sucesso do seu first single, Lana então anuncia o seu segundo álbum de estúdio, “Born to Die”, que foi lançado em janeiro de 2012. Além de ser o trabalho responsável por elevar a artista ao patamar de cantora reconhecida mundialmente, o álbum obteve bons resultados ao debutar na segunda posição da Billboard Hot 200 e ao conseguir vender mais de 3 milhões de cópias naquele mesmo ano (consagrando-o como o quinto álbum mais vendido da época).
A sensualidade orquestrada, letras melancólicas e as referências cinematográficas/vintage foram responsáveis pela aclamação da cantora. Esse era o início de uma era de impacto cultural para o indie/pop em que julgo ser o momento que abriu portas para cantoras como Lorde, Billie Eilish e Halsey, por exemplo, que vieram posteriormente.
A era “Born To Die” ficou reconhecida por hits como “Blue Jeans”, “Summertime Sadness” e a faixa que carregava o título do álbum.
Críticas e polêmicas
Antes mesmo da era “Born To Die” ter início, Lana já vinha enfrentando críticas da mídia e de algumas pessoas por conta da criação da sua persona Lana Del Rey. Muitos julgavam como um trabalho caricato e totalmente desconexo com a real personalidade da cantora, afirmando se tratar apenas de uma encenação de uma garota rica cheia de privilégios (isso se deve ao fato dela ser filha de milionários).
Além disso, sua primeira apresentação televisionada aconteceu no Saturday Night Live em 2012, onde a cantora performou o seu então single “Video Game”. O que era pra ser um momento de divulgação para alavancar a carreira da norte-americana acabou tendo um efeito reverso, já que as pessoas criticaram severamente os erros de afinação e a falta de presença de palco durante a apresentação.
A crítica pesou a mão, disse se tratar de mais uma artista montada e que muito provavelmente não teria longevidade no mundo da música (parece que estavam enganados, não é mesmo, mores?).
Além disso, Lana já chegou a receber críticas por conta das suas letras que demonstravam um certo tipo de dependência emocional em relacionamentos. A cantora Lorde, por exemplo, chegou a dizer que não era algo saudável para garotas ouvir frases como “Eu não sou nada sem ti, eu estou presa a ti, não me deixes ir!”.
As pessoas também questionava bastante naquela época a suposta romantização que a cantora fazia com temas que envolviam morte e depressão. A frase icônica “queria estar morta”, inclusive, chegou a ser criticada por Frances Bean Cobain (filha do então falecido Kurt Cobain, que cometeu suicídio em 1994).
Lana já chegou também a discutir com Kanye West por conta de um posicionamento favorável a Donald Trump que o rapper fez em 2018, além de ter protagonizado uma discussão com a Azealia Banks via twitter.
“Ultraviolence”, “Honeymoon”, “Lust for Life” e a consolidação como artista influente
Para o desespero dos que afirmavam que Lana era apenas only “Born To Die”, a cantora conseguiu se consolidar ainda mais como artista com os seus três álbuns que vieram posteriormente: “Ultraviolence”, em 2014; “Honeymoon”, em 2016; e “Lust for Life”, em 2017.
O primeiro alcançou o topo da Billboard nos Estados Unidos e trouxe faixas memoráveis como “West Coast” e “Shades of Cool”.
Logo em seguida o álbum “Honeymoon” veio atribuindo a Lana o mérito de cantora mais popular nas plataformas de streaming da época. Com uma pegada que se aproximava ao estilo do “Born to Die”, a crítica não poupou elogios ao afirmar que esse seria o trabalho mais maduro de sua carreira até então. Nessa era, faixas como “High By The Beach“, “Terrence Loves You” e “Music to Watch Boys To” se tornaram uma das mais preferidas entre os fãs.
Um ano após o lançamento de “Honeymoon”, Lana se aventurou em mais uma obra de arte: “Lust for Life”. O álbum ia na contramão de todo o cenário pop eufórico e dançante de 2017, demonstrando que a cantora realmente havia conquistado um espaço que era só dela. Faixas como “Love” e “Lust for Life” se transformaram em single e ajudaram a dar ao álbum a indicação na categoria “Best Pop Vocal Album” no Grammy Awards.
“Norman Fucking Rockwell” e a indicação ao Grammy
Contrariando todos aqueles que achavam que em 2019 a Lana viria com algo mais alegre, “Norman Fucking Rockwell” surge sendo um dos trabalhos mais melancólicos da cantora. O álbum representa uma evolução significativa e uma independência lírica que é nitidamente perceptível no teor de suas composições.
As faixas em sua maioria são narrativas que estabelecem uma verossimilhança ao explorar o sofrimento em diferentes aspectos. Apesar disso, Lana adota dessa vez uma postura de alguém que está no controle, como exemplifica o trecho da faixa “Mariners Apartment Complex”: “você está perdido no mar, eu comando seu barco de volta para mim novamente”.
No final de 2019 a cantora se surpreendeu com o anúncio de que o “Norman Fucking Rockwell” havia recebido indicação na categoria “Álbum do ano” e “Canção do ano” no Grammy Awards, Vale lembrar que antes disso a cantora já havia recebido 4 indicações, mas até então nenhuma vitória.
Por mais tardio que seja o reconhecimento da relevância que Lana Del Rey exerce na indústria fonográfica, essas nomeações são mais que bem vindas para uma cantora cuja trajetória ressignificou o mercado da música pop e abriu portas para o indie/folk no mainstream.