Desde que foi apontada como uma das revelações da música brasileira ainda em 2015, fazendo covers de sucessos em seu canal do YouTube, IZA sempre chamou atenção pelo seu talento. A sua potência vocal ainda lhe dava a semelhança com inúmeras artistas consagradas nacionais e internacionais, algo que se tornaria uma espécie de “presságio” sobre o furacão que seria nos anos seguintes.
Não foi à toa que em questão de meses, a carioca foi contratada pela Warner Music – particularmente um dos grandes acertos da gigante internacional desde Anitta. Com o contrato, não demorou muito para que o sucesso lhe batesse a porta. Em 2017, lançou a faixa “Pesadão”, que contou com presença de Marcelo Falcão em sua composição, o vocalista da consagrada O Rappa.
IZA caiu no gosto do público brasileiro, sendo colocada no pedestal dos músicos mais importantes do cenário pop na década. Tudo isso na velocidade da luz. “Dona de Mim”, seu álbum de estreia, cravava o primeiro passo de sua identidade e personalidade como artista, que com tamanha autenticidade, sem dúvidas, seria o reconhecimento mais importante de sua dominação nacional e global.
Assim como Ludmilla, IZA rapidamente assumiu o título de diva pop brasileira, e principalmente, sendo uma diva pop negra com história, superação e um já legado de representatividade para as futuras gerações assim como sua conterrânea carioca, a intérprete de “Rainha da Favela”.
A “Imperatriz do POP”, como já vinha sendo aclamada, rompeu as barreiras de “Pesadão” – batizada nas palavras ditas pelo próprio Marcelo na música – pelo notável desempenho com pouquíssimo tempo de carreira.
O primeiro álbum de IZA coleciona mais de 420 milhões de reproduções no Spotify. Desde sua estreia, o fenômeno parece deixar claro aonde ela queria chegar e qual era sua principal missão dentro desse grande mercado fonográfico em cada letra, em cada faixa. Talvez mesmo que timidamente, IZA sempre fez questão de assinar seus trabalhos com a cultura afro que corre em suas veias. Por exemplo, o videoclipe de “Pesadão” foi gravada embaixo de um dos viadutos mais emblemáticos do Rio de Janeiro, o Negrão de Lima, localizado em Madureira, zona norte do Rio de Janeiro. Esse é o mesmo local responsável por receber um dos mais reconhecidos bailes charmes da cidade carioca. Como já foi dito, identidade aqui é o que não falta.
“Ginga”, com Rincon Sapiência, é praticamente um abraço às religiões de matriz africana. Desde o instrumental, os visuais, looks e letras conversam com o misticismo de religiões afro-brasileiras como a umbanda e o candomblé. “Dona de Mim” já tomava forma como um disco versátil, que unia as partes mais importantes de sua personalidade, vivências, história e ancestralidade.
420 milhões de reproduções depois, 14 faixas eletrizantes em um disco lançado já bastante popular, IZA apostou em produções que flertaram ainda mais com o gosto popular, tais como “Brisa” (100 milhões de reproduções) e “Meu Talismã”, considerada uma das faixas mais populares da musa de Olaria.
Mas não parou por aí: IZA também foi ao internacional e ao trap, lançando colaborações com Ciara, Maejor, Bruno Martini, Matuê, Timbaland, David Guetta e Ty Dolla $ign. O que viria a ser a sua própria era “checkmate”, cheio de parcerias com outros profissionais da música extremamente talentosos e a consagração além das fronteiras do Brasil, sem perder a sua essência, que agora, seria muito mais explorada.
A nova era e a celebração do povo preto
IZA sempre provou que fazer música pop para todas as tribos nunca foi problema. Com os holofotes em cada novo passo de sua carreira, nessa atual fase, ela concentra seus esforços na representatividade, na exaltação da cultura afro brasileira, nas suas raízes e na ótica de como quer ser enxergada a partir de agora: impulsionando o orgulho de ser quem é, e sua identidade como mulher preta com uma cultura que deve ser ainda mais celebrada. “Gueto”, um de seus últimos lançamento, é a prova viva disso.
A representatividade é ainda mais evidente e celebrada com as grandes Zezé Mota e Maju Coutinho, que dispensa apresentações, para narrar a importância e a representatividade cultural do gueto, afinal, você sabe o que é um “gueto” de verdade e quantas vivências são invisibilizadas ali?
Abram as portas para o gueto e toda a maestria de um povo guerreiro: a conquista do respeito, excluindo esteriótipos, exaltando cada vivência e ocupando múltiplos espaços.
Para a produção, IZA contou com um elenco maioritariamente composto por pessoas pretas, mas não só isso. No clipe, a Imperatriz traz a imagem de uma pessoa preta bem-sucedida que veio do “gueto” parafraseando a sua própria história: que usa grifes, tem carro importado, dona de sua própria marca de cosméticos, uma mulher responsável pelo seu sucesso financeiro se livrando das amarras do preconceito e mostrando para o que veio.
E olha, que mulher: as inúmeras publicidades que fez no período só mostrou o potencial de sua imagem e como a arte imita a vida.

Com “Sem Filtro”, IZA decidiu nos entregar facilmente um de seus audiovisuais mais caros, sendo uma produção composta também majoritariamente por pessoas pretas. IZA flerta com a feminilidade, com o sexo e com o amor, tudo isso em um videoclipe repleto de efeitos especiais, além de ser mais uma produção dirigida por Felipe Sassi, responsável pelos maiores e mais aclamados clipes da Imperatriz.
Basicamente, já dava para entender aonde IZA queria levar a sua audiência e a história que ela pretende contar em sua nova fase. Sua mais recente produção deixou seu conceito ainda mais visível. Ela alcançou o sucesso e agora está aparando as arestas de sua carreira, trazendo personalidade e história como carro-chefe de sua trajetória na música.
No mercado internacional, outra diva pop também já vinha fazendo isso desde meados da década passada.
Representatividade negra, amor e fé, um flerte de IZA com o “Lemonade”?
Considerado um dos álbuns mais emblemáticos da história da música, Beyoncé trouxe suas raízes negras, explorou seus sentimentos mais intensos, amor e ódio e abraçou a magia das religiões de matriz africana.
se a Beyoncé ver isso aqui ela vira madrinha da iza na hora pic.twitter.com/j6UgC8brQI
— 𝖌𝖚𝖎𝖑𝖍𝖊𝖗𝖒𝖊 (@hooneyb_) June 3, 2022
O detalhe é que, Beyoncé também passou anos de sua carreira utilizando da mesma estratégia. No início, chamou a atenção do público trabalhando versatilidade em suas canções. Com os holofotes voltados para si por todo o mundo, ela finalmente tomou as rédeas de sua carreira colocando sua história a ancestralidade como protagonistas de sua arte. O que não é um processo fácil: sabemos o quão racista a indústria é, e como ela ainda limita os artistas a serem os donos de suas próprias narrativas. Não é a atoa que Bey demorou mais de uma década – como uma artista pop global e multimilionária – para ditar as regras dos seus próximos passos sem interferências de terceiros.
O poder do agora: sobre ter “Fé”
O lançamento desta semana da IZA, “Fé”, está dando o que falar. Não deu nem tempo da música impactar direito as plataformas, e já está sendo criticada por internautas por apostar novamente em canções consideradas “conceituais” e “mais do mesmo”.
Não é à toa que a faixa se assemelha bastante com “Pesadão” no sentido “gospel” de seu fluxo. Arrisco dizer que é ainda mais potente do que a primeira, porque traz IZA na sua excelência como artista musical pop que conquistou seu espaço apesar das dificuldades. E mais ainda. A faixa reverbera essa positividade de forma gigante e mais profunda para todos que se sintam acolhidos por sua mensagem, principalmente as pessoas pretas, que assim como ela, também podem chegar lá, mesmo com o preconceito por ser quem são.



Aparentemente, uma artista falar sobre cultura preta e abordar isso em suas produções, como meio de exaltar sua história e lutar contra o racismo, é “cansativo”. Como diria o Djonga, “dizem que só falo das mesmas coisas, é a prova que nada mudou, nem eu, nem o mundo”.
“Fé” é facilmente um dos lançamentos mais emblemáticos de IZA, onde a cantora mistura a luta diária do povo preto com o sagrado. Uma das primeiras cenas mostra a estrela toda em um look azul e um chapéu com pérolas, tanto a cor quanto as contas trazem metáforas aos personagens e símbolos emblemáticos da religião como o terço e as roupas da Virgem Maria.
Neste mesmo início, IZA versa sobre a mãe, que levanta cedo para trabalhar e criar a filha sozinha. Aqui ela exalta a imagem maternal, assim como foi a história bíblica de Jesus e Maria, que mesmo ao lado de José, carregava a responsabilidade de criar o filho de Deus de forma sublime, apesar das adversidades.

Na mesma cena é possível ver um homem negro tocando dois atabaques, instrumento fortemente utilizado em religiões de matriz africana, tais como a umbanda e o candomblé. Além do atabaque, temos ainda a presença do agogô, outro instrumento bem presente nas religiões de matriz africana, principalmente para festividades que celebram o Orixá das batalhas, dos caminhos e do ferro, Ogum.
O conceito fica ainda mais claro quando IZA pronuncia a frase “não foge à luta”: nitidamente o instrumento dedicado a Ogum pode ser ouvido, aquele que enfrenta lutas.

Assim como suas ultimas produções, IZA novamente contou com um elenco todo composto por pessoas negras, complementando ainda mais a construção do conceito de seu próximo disco.
Em mais uma cena, IZA e Sassi deixam claro o misticismo estrelado pelas religiões de matriz africana: IZA aparece no centro, vestida de vermelho e ao seu redor, diversos dançarinos que se movimentam enquanto a carioca fala novamente sobre aqueles que não fogem da luta, podendo facilmente ser relacionada à orixá das guerras, ventos e tempestades, Iansã.
O vermelho, a energia, a beleza e as danças também são característicos das entidades de Umbanda Pombogira, guardiã espiritual mensageira, que representa a intensidade do amor, a luxúria, o exibicionismo e a arte, reverenciada por aqueles que lhe pedem proteção.

O conceito se corrobora ainda mais quando IZA, seus dançarinos e todo o elenco são banhados por uma tempestade, elemento principal da Orixá – deusa das tempestades.
Cada cena parece ter sido costurada em um projeto que funciona como um baloarte de sua nova imagem no cenário pop nacional: uma mulher negra firme em sua mensagem, carreira e que usa e usará ainda mais a sua voz para exaltar a sua ancestralidade. De trabalho em trabalho, IZA segue firme na missão de referenciar e exaltar o seu povo, desmistificar as religiões que caregam estigmas seculares e tornar visível a diversidade como uma das mais poderosas armas na pavimentação de uma história mais igualitária, livre de preconceitos e que deve ser celebrada pelos artistas das próximas gerações.
“Fé” é algo que nunca faltou em sua carreira. A mesma fé que lhe permite alçar voos cada vez mais altos, a mesma fé que inspira milhares de outros artistas negros a fazerem o mesmo, a fé que a faz mover montanhas através de suas letras e transformar vidas.
Deixo a minha fé guiar
Sei que um dia chego lá
Porque Deus me fez assim
Dona de mim
Nós já estamos ansiosos pelos próximos e importantes passos da estrela, e vocês?
Palmas para Isabela Cristina, palmas para a Iperatriz, palmas para IZA.