Alguns filmes ganham certo tipo de espectador já na largada. É o caso de Whiplash – Em Busca da Perfeição, do diretor Damien Chazelle, “improvável” presença de destaque no Oscar este ano, concorrendo em 5 categorias (incluindo melhor filme e roteiro), além de já ter levado o prêmio do público e do júri no prestigiado festival de Sundance.
A junção de um professor exigente e técnico ao extremo como Terence Fletcher (JK Simmons) com um aluno dedicado e esforçado como Andrew Neyman (Miles Teller) pode render apresentações que deixam o público boquiaberto. Por outro lado a música, qualquer que seja o estilo, não se restringe à técnica, pois esta é uma ferramenta para que sentimentos e emoções sejam expressos pelo músico que a executa.
Terence Fletcher alega ser exigente em sua busca pela perfeição. Por um lado isso é o mínimo que se espera de um professor da melhor escola de música dos EUA, por outro existem muitas formas de guiar essa busca que não incluem humilhações, agressões e desmotivação de alunos.O trabalho de Fletcher dá resultados, afinal uma escola renomada não manteria um professor que não forma bons profissionais. Podemos pensar até mesmo em casos reais que vivenciamos, já que todas as áreas têm profissionais como Fletcher, e apesar de incomodadas com o estilo de ensino, as pessoas acabam, bem ou mal, concluindo o curso.
O que fica implícito no filme é que para cada músico excepcional lapidado por Fletcher, há uma infinidade de bons músicos em potencial que acabam desistindo da carreira. Sem nenhum spoiler é possível dizer que o filme deixa bem explícito um exemplo de fracasso deste método de ensino, que poderia ter sido evitado. É bem compreensível que Andrew não meça consequências para se firmar como principal baterista da banda ensaiada pelo tão temido professor. Além do gosto pela música e da determinação que o leva a correr atrás de seu sonho muito bem planejado, sua personalidade responde muito bem ao estilo de desafio imposto.
Um profissional extremamente renomado chegar para um iniciante e destruir suas expectativas afirmando categoricamente que ele não tem talento e nunca chegará em um nível satisfatório pode render reações opostas. Muitos simplesmente baixam a cabeça e desistem; entre estes é possível que haja alguns que realmente nunca conseguiriam ter sucesso, mas outros acabam desperdiçando um potencial. No outro oposto há pessoas como Andrew, que farão qualquer coisa para provar que são capazes.Entre os pouquíssimos personagens que fazem parte da vida de Andrew fora da escola de música, presentes sobretudo para servir de contraponto à sua vida profissional e para mostrar o quanto ele está disposto a se dedicar a música, estão sua namorada, a quem ele abandona diante da primeira ameaça do professor de tirá-lo do posto de baterista principal, e seu pai, que talvez seja também o único amigo de Andrew.
A família tem sempre um papel delicado no desenvolvimento de um músico. São evidentemente contrários à forma como o filho é tratado por Fletcher, o que é muito compreensível, só não podemos esquecer que a ascensão profissional é sempre difícil e trabalhosa. Muitas vezes no ímpeto de proteger a cria, os pais afastam os filhos do que consideram prejudicial e com a melhor das intenções acabam dificultando a superação de desafios. Fique feliz se seus pais te elogiarem, mas fique preocupado se só seus pais te elogiarem. A conturbada relação entre Andrew e Flechter, é explorada muito bem em Whiplash a linguagem cinematográfica para retratar a música. O ator Miles Teller tem ótima atuação e o som da bateria sincronizado com imagens que ressaltam os detalhes geralmente perdidos por nossos olhos são realmente inspiradores.
Para quem não faz questão de aplicar uma técnica perfeita e impecável a música pode ser uma válvula de escape para a tensão, cansaço e stress do dia-a-dia, com qualidade satisfatória para a maioria esmagadora de pessoas que não têm ouvido apurado o suficiente para identificar falhas tão sutis. Aos que não abrem mão do nível máximo de excelência, é possível que um professor como Fletcher caia como uma luva, mas ainda acho que o verdadeiro mestre não é aquele que trata a todos com o mesmo rigor, mas aquele que sabe identificar o método mais eficaz para extrair o máximo de cada aluno, respeitando as características de aprendizagem de cada um e, principalmente, sem desmotivar ninguém. Fácil, não é.
Infelizmente, nem tudo é perfeito: um dos problemas de Whiplash está em seu roteiro, que possui alguns momentos extremamente forçados. Isso não é um demérito do roteiro de modo geral que, na maior parte, é bem escrito. Porém, em alguns momentos – especialmente na metade final do filme – algumas situações tornam-se inverossímeis. O diretor consegue compensar esses problemas no final, com a arrebatadora sequência que encerra o filme.
O mais interessante em Whiplash é ver até onde vão os limites daqueles que buscam transcender a mediocridade. Esse é um tema especialmente recorrente na geração Millennial; todos sonham com uma grandeza eterna, capaz de marcar a história e inspirar as gerações futuras. Nesse sentido, Chazelle parece ter pretensões tão grandes quanto Fletcher. Ele ficou conhecido por puxar tanto seus atores em cena que Teller acabou adquirindo as mesmas cicatrizes de seu personagem nas mãos. Mas, no final das contas, a busca pela perfeição é sempre ilusória; estar sempre atrás de um ideal perfeito serve apenas para abrir os nossos olhos para todos os erros que cometemos pelo caminho.